domingo, 27 de outubro de 2013

DA HIPNOSE AO MÉTODO PSICANALÍTICO

DA HIPNOSE AO MÉTODO PSICANALÍTICO

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Fernanda Canavêz de Magalhães


A hipnose tem suas raízes no mesmerismo e subseqüente fluidismo, métodos criados e utilizados por Franz Anton Mesmer. O primeiro sustentava a noção de que "os corpos dos animais e do homem são dotados das mesmas propriedades que o ímã" (Garcia-Roza, 1988, p.31), existindo neles um fluido universalmente difundido. Sendo assim, o contato com o ímã poderia ser substituído pelo contato com o corpo, tendo um efeito terapêutico. Para atender à demanda engendrada por certos êxitos inicias, Mesmer concebe a magnetização em grupo, sob a condição de que o fluido magnético poderia espalhar-se em pessoas imersas num reservatório contendo água. Nascia o supracitado fluidismo.

Mesmer foi acusado de charlatanismo, já que a comunidade científica colocou em cheque a "cientificidade" dos métodos empregados. Alegou-se que o fluido magnético não tinha quaisquer efeitos terapêuticos, residindo o sucesso de tais práticas unicamente na imaginação dos que a utilizavam. Estava preparado o fértil terreno a ser utilizado pelo efeito da sugestão. A partir da metade do século XIX difunde-se a técnica desenvolvida por James Braid: o "braidismo", a qual seria posteriormente conhecida pelo nome de hipnose.

É importante tecer a rede de relações entre a hipnose e as afecções histéricas. Estas se apresentavam como verdadeiros enigmas para a medicina do século XIX, uma vez que não possuíam substrato anátomo-patológico, embora revelassem regularidade no que tange à sintomatologia. A circunscrição da histeria no campo das patologias psicológicas resguardava a importância da utilização da técnica hipnótica para a cura de tais sintomas.

Charcot é tido como um dos grandes nomes que sustentaram a eficácia da hipnose. Partindo de um modelo fisiológico da histeria, hipnotizava suas pacientes no intuito de eliminar seus sintomas, removendo então o distúrbio. Ademais, Charcot utilizava a hipnose para a produção de grandes crises histéricas na escola de Salpêtrière, conferindo um estatuto mais acadêmico a essa prática. No ano de 1885, Freud teve acesso às suas aulas, entrando em contato com o método em questão.

Conforme Charcot, existiria uma predisposição inata para a produção de um estado hipnótico a partir de um trauma de ordem psíquica. Este trauma seria responsável por um estado hipnótico permanente, configurando-se em certos sintomas, como as paralisias. A hipnose reproduziria de certa forma este estado de maneira temporária, rememorando o evento traumático. Através da hipnose "o caráter patogênico do trauma ou da série de traumas era eliminado pela ab-reação verbal, permitindo a inclusão da idéia correspondente no psiquismo normal, onde seria associada a outras ou esquecida" (Mezan, 2001, p.26).

A hipnose dava conta de eliminar os sintomas, mas não possibilitava remover suas causas, sendo os sintomas anteriormente eliminados substituídos por outros. Além disso, certos pacientes não eram hipnotizáveis, o que levou Freud a também utilizar a pressão na testa, sugerindo-lhes que, ao retirar tal pressão, seria possível a recordação dos fatos traumáticos.

Os motivos anteriormente mencionados fizeram com que Freud propusesse o emprego do método catártico de Joseph Breuer, culminando com a publicação conjunta pelos dois autores da Comunicação Preliminar, em 1983. O objetivo deste método era descarregar de maneira adequada os afetos ligados às idéias que se tornaram patogênicas. Era possível ao sujeito "evocar e até reviver os acontecimentos traumáticos a que esses afetos estão ligados, e ab-reagi-los" (Laplanche e Pontalis, 1999, p.60). Como fica explícito ao final da Comunicação Preliminar, a linguagem passa ocupar importante papel na cura dos sintomas, liberando os afetos outrora estrangulados e eliminando o efeito patogênico da idéia ligada a tal afeto.

O artigo As neuropsicoses de defesa (1894) marca o distanciamento teórico que se instaurou entre os dois autores e a estruturação, por Freud, da noção de defesa. Abandonando a hipnose, ele pedia aos pacientes que se lembrassem do fato traumático, dando-se conta de que havia irrefutável resistência para realização de tal tarefa com êxito. A explicação veio em termos egóicos: em linhas gerais, a defesa designa "o mecanismo pelo qual o ego se protege de uma representação desagradável e ameaçadora" (Garcia-Roza, 1988, p.38). Evidenciava-se, assim, a teoria do recalque como "pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise" (Freud, 1914, p.26). A utilização da hipnose acabava por ocultar tal fenômeno, de modo que só se pode falar em psicanálise propriamente dita a partir do abandono deste método. O trabalho terapêutico não mais consistia em ab-reagir o afeto ligado à idéia penosa, mas em trazer à tona as idéias patogênicas a fim de serem elaboradas. Passava-se, então, ao método psicanalítico.

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Editora Imago, 1974:
Hipnose (1891), vol. I.
Um caso de cura pelo hipnotismo (1892-93), vol. I
Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: Comunicação preliminar (1893) vol II.
As neuropsicoses de defesa (1894), vol. III.
A história do movimento psicanalítico (1914), vol. XIV
GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente - 4ª edição, Editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro, RJ, 1988.
LAPLANCHE & PONTALIS, Vocabulário da Psicanálise - 2ª edição, 2ª tiragem, Editora Martins Fontes, São Paulo, SP, 1999.
MEZAN, R., Freud: A trama dos conceitos - 4ª edição, Editora Perspectiva, São Paulo, SP, 2001.

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